CONTRAPONTO
Governança e Privacidade em empresas familiares
Adriana Rocha
Empreendedores e herdeiros representam marcos na linha do tempo da empresa, referências de períodos de desenvolvimento. Além da hereditariedade, reconhecida pelos colaboradores em traços físicos, familiares são testemunhas da história da família e da organização. É natural, portanto, que a família fundadora atraia a admiração e curiosidade em sua vida privada.
A família proprietária encarna a reprodução viva e dinâmica de princípios e valores de seus ancestrais. A força na transmissão dos valores da empresa é tão maciça que pode preceder, ou até adiar, a construção de memoriais, com artefatos e registros históricos, que temporalizam e humanizam as organizações. Nada é mais concreto e representativo do que o DNA do fundador, na presença continuada de rostos familiares.
Os descendentes simbolizam valores cultivados e reconhecidos ao longo da história. Seus passos podem conectar ou desconectar o elo entre stakeholders, companhia e a família empresária. O aspecto tangível dos valores está expresso em comportamentos.
Para os fundadores, a empresa representa a extensão de suas casas. É frequente a sensação de conforto na expressão de comportamentos, deixando transparecer a intimidade da família. No entanto, a exposição desmedida de conflitos e particularidades na fase empreendedora incorre no risco de naturalizar hábitos, sem filtros de privacidade.
Comportamentos da família contribuem para a formação da cultura da empresa e, não raro, são repetidos pelos descendentes. Soma-se aos padrões herdados, os introduzidos pelas interações subsequentes. O resultado é um caldeirão de formas distintas de agir e reagir, de onde emerge a necessidade de compreensão, adaptação e alinhamento de interesses da família e da empresa.
A governança familiar preza por filtros cerimoniosos em condutas interativas da família e prima pela diplomacia nas relações, procurando manter situações e assuntos familiares em foro específico, no Conselho de Família. Cuidar e orientar sobre riscos na exposição de intimidades do núcleo familiar implica em proteger também a reputação dos sistemas de propriedade e gestão.
A privacidade representa o direito individual de reservar informações e vida pessoal. A exposição da vida familiar pode vir a desestabilizar a interação entre empresa e família. É dever da governança proteger os stakeholders de atos que possam desabonar o negócio. A conscientização da família sobre os impactos de suas atitudes, reforça o princípio de responsabilidade da governança corporativa com a sociedade e com o próprio legado.
A segurança física e reputacional da família envolve responsabilidade. A divulgação de imagem e comportamentos em redes sociais e a administração de dados digitais representam pautas a serem reforçadas no Conselho de Família.
Com a iminência da Lei Geral de Proteção de Dados, fica claro que informações pessoais representam ativos. O comportamento dos familiares, por expressar informação, justifica a preocupação em construir acordos de conduta pessoal e digital, que norteiem a veiculação de informações e preservem a privacidade e a identidade da família.
A Governança familiar da privacidade não possui a pretensão de engessar a autenticidade dos membros familiares, tampouco colocar um peso no legado dos herdeiros restringindo comportamentos. Alegria e leveza nas relações são primordiais para atrair pessoas, criar conexões, e fomentar inovação. Entretanto, margeá-las com responsabilidade contribui para regular excessos, frivolidade e exposições indesejadas.
Famílias e empresas estão cada vez mais suscetíveis a exposições involuntárias, distorções da realidade, fraudes, extorsões e chantagens. Foi-se o tempo em que os alvos midiáticos podiam se esconder de flashes de paparazzis ou ainda onde vazamentos e fofocas se limitavam a “rádio corredor”.
CONTRAPONTO
Luana Lourenço
Indubitavelmente as empresas familiares devem se preocupar com questões relativas à proteção de informações e preservação da intimidade da família, sobretudo diante da vulnerabilidade que o mau uso das redes sociais nos traz. A busca pela preservação de valores e imagem dessa modalidade de empresa deve ser constante.
Em face da revolução tecnológica que vivenciamos, a preocupação é, a meu ver, legítima.
Sabe-se que a imagem de uma organização compreende um relevante ativo intangível e sua mancha poderá incorrer em quebra do negócio, por isso a reputação deve ser especialmente cuidada quando se trata de empresas familiares. No Brasil, a maioria das empresas são familiares, estima-se que 90% das empresas brasileiras pertencem às famílias empresárias.
Sabe-se que a empresa familiar pode apresentar pontos fortes e sensíveis. Dentre os pontos fortes dessas empresas destacam-se: agilidade na tomada de decisões; investimento de capital próprio; uso de garantias pessoais para levantamento de recursos; e a força da imagem que o fundador tem perante o mercado. Por outro lado, os dados também apontam que 70% delas encerram suas atividades após a morte do fundador, tendo em vista que essas empresas não conseguem se manter após o ocorrido, em virtude da ausência do planejamento sucessório e de instrumentos de gestão compatíveis com a realidade do mercado. Além disso, a total dependência do fundador, geralmente provoca a ruína da empresa, erguida pela força de trabalho do fundador durante décadas.
Além disso, as empresas familiares tornam-se vulneráveis quando ocorrem outros fatores como casamento, divórcio e falecimento dos sócios. Logo, alguns mecanismos podem ser particularmente úteis para garantir a perenidade da empresa familiar, como: estabelecimento de acordo de sócios contendo regras claras para resolução de conflitos; previsão de destinação do lucro; regulamentação para remuneração dos gestores; implementação das políticas de governança com constituição do conselho de administração e seus órgãos de assessoramento; e a elaboração do protocolo familiar.
Outros mecanismos que podem contribuir com a longevidade das empresas familiares são: o planejamento sucessório por meio da constituição de uma holding, a celebração de pacto antenupcial (ou confecção do contrato de união estável), a profissionalização de membros da família e até mesmo a elaboração de um testamento.
Quando da elaboração das regras, políticas e diretrizes, convém inserir cláusulas que tratem dos impactos gerados a partir do comportamento dos herdeiros e sócios – deve abranger seus direitos e deveres para com a sociedade empresária com o intuito de preservar a imagem da organização. Nesse contexto, a governança da empresa familiar necessita ser bem estruturada desde a fundação à sucessão, com base em planejamento.
Igualmente, a preocupação com a privacidade da família dá-se primordialmente no momento da avaliação dos riscos corporativos, a fim de mitigá-los, e com o objetivo de orientar a elaboração das políticas da empresa. Podemos citar como documentos de diretriz o código de conduta ética e o protocolo familiar.
Vale ressaltar que os riscos gerados a partir de conflitos familiares devem ser estrategicamente geridos, pois poderá incorrer em forte crise na organização.
Ademais, cabe à empresa familiar como um todo conduzir de forma estruturada e profissional a sucessão da liderança, conforme as boas práticas de governança corporativa. O que implica em fortalecer continuamente sua cultura organizacional com base em propósitos e valores elevados. A inovação também deve ser estrategicamente discutida e ajustada ao legado deixado pelo fundador.
Fundador, herdeiros e gestores devem refletir sobre como suas atitudes e comportamentos pessoais impensados provocam repercussão reputacional negativa à empresa, e também quanto à exposição desnecessária de conflitos familiares, sejam eles por disputas sucessórias ou de lucros, pois geram desestabilidade na estrutura organizacional e desengajamento dos funcionários. Dirimir esses conflitos é uma das atribuições do conselho de família, e os profissionais de gestão de conflitos podem vir a ser chamados a participar do processo.
Destaca-se ainda que o grande norte para as empresas familiares deve ser a ética e a integridade, exatamente como deve funcionar em qualquer tipo de empresa. Os assuntos de família precisam ser tratados em foro específico, que é o conselho de família, como bem exposto pela Adriana Rocha.
Avante Rio.
Adriana Rocha - Administradora pela UCAM. MBA em Marketing pela IAG PUC. Mediadora-Facilitadora do MEDIARE com certificação internacional pelo ICFML. Formação em Gestão Estratégica de Empresas Familiares pela PUC-RJ e Mediação Familiar com orientação em Empresas Familiares pela UCAM. Consultora em Empresas Familiares e Gestão Estratégica de Conflitos.
Luana Lourenço - Graduada em Direito pela UCSAL. LL.M em Direito Empresarial com Especialização em Compliance Avançado pela FGV Direito Rio. Cursa o Máster Profesional em Compliance na IMF Business School. Professora da Pós-graduação em Gestão de Conflitos e Mediação Familiar na Universidade Católica do Salvador. Diretora da Ocean Governança Integrada – Direcionando Empresas. Fundadora do Governança no Rio.