CONTRAPONTO
Como os programas de integridade podem contribuir para uma sociedade mais ética e justa
Mauro Rocha
O Brasil tem acompanhado diariamente, por meio da mídia, as notícias de corrupção envolvendo governo e empresas privadas. Não há como não se alarmar diante de somas vultosas desviadas dos cofres públicos enquanto milhões de brasileiros vivem na miséria e serviços públicos beiram a falência. A corrupção não atinge apenas governos, abrangendo de forma indistinta cidadãos, entidades públicas e instituições privadas, decorrendo em deslealdade quanto à concorrência, afetando o crescimento econômico e desestimulando novos investimentos, enfim, prejudicando toda a nação.
Para combater a corrupção faz-se mister conjuminar os esforços de cidadãos, empresas e governos em um mesmo escopo, ou seja, a promoção de um ambiente de integridade nas esferas pública e privada, sendo essa última notadamente relevante, visto que as práticas de corrupção, ao instituírem em curto prazo aparentes benefícios às empresas, induzem à falsa impressão de que a mesma pode trazer vantagens. A promoção de uma cultura ética é crucial para a mudança de comportamento das pessoas e das empresas na medida em que a corrupção deteriora os mecanismos de livre mercado, gera insegurança no âmbito empresarial, inflaciona produtos e serviços destruindo, por conseguinte, a ética nos negócios.
Com o advento da Lei nº 12.846/13 (Lei Anticorrupção), que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública (nacional ou estrangeira), os atos de corrupção, fraude à licitação e contratos administrativos, entre outros, são considerados ilícitos, configurando-se a responsabilidade objetiva de acionistas, administradores, gerentes, independentemente de prova de culpa.
À vista disso, a demanda pela criação de uma área de governança, bem como a criação da área de compliance, ambas com atuação independente, gerindo riscos, conformidade e controles internos aumentou substancialmente. Isso se justifica, pois os programas de integridade são considerados atenuantes nos casos de sanções administrativas ou encaminhamentos judiciais derivados de atos de gestão tipificados na lei.
O programa de integridade consiste na prática da cultura ética no dia a dia. Entre as normas que as empresas podem implementar para a promoção da ética e o combate à corrupção, encontram-se a aderência a códigos de melhores práticas corporativas, ampliação de controles internos, métodos internos de divulgação de temas concernentes à corrupção, implantação de canais de denúncia de práticas corruptas internas, comunicação, transparência, treinamento, entre outras. Isso minimiza os riscos concernentes aos comportamentos antiéticos dos profissionais e amplia a competitividade das empresas – visto que a gestão dos riscos resguarda a imagem corporativa interna e externa, além de reduzir a possibilidade de fraudes internas, gerando um ambiente mais protegido para todos.
Os programas de integridade são a resposta para essa necessidade de mudança comportamental pois transformam regras e códigos em ação e vivência. O que traz efetividade e contribui para um ambiente corporativo saudável, um ambiente empresarial transparente, uma sociedade mais justa, na medida em que traz visibilidade para a empresa e para a sociedade do comprometimento dessas para com a ética, permitindo maior equidade e justiça social.
Obviamente a existência dos programas de integridade nas empresas não nos exime da responsabilidade na condição de cidadãos de promovermos a cultura ética dentro de casa, nas escolas, nas comunidades e no nosso amplo convívio social, pois a mudança tão necessária para uma sociedade mais justa e mais ética começa exatamente em nós mesmos.
CONTRAPONTO
Luana Lourenço
Como percebido nas explanações de Mauro Rocha, a cultura ética é a chave do sucesso e perenidade de qualquer organização, seja pública ou privada, e começa principalmente no seio familiar. A ética é princípio basilar para nortear nossos comportamentos, ela é a força motriz para direcionar nossas ações para a construção de relações sólidas e longevas.
Integridade significa inteireza e plenitude, representa nossa franqueza, honestidade, transparência, dignidade, solidariedade, reciprocidade, exatidão e correção. Ser íntegro é o agir em consonância com todos esses valores o tempo todo. Também é necessário colocar-nos no lugar do outro e perguntar para nós mesmos se gostaríamos de ser tratados de maneira semelhante a que tratamos nosso próximo.
Os programas de integridade vêm a ser um conjunto de esforços que são empregados com o objetivo de garantir um ambiente empresarial ético e justo para todos. Essa garantia não é absoluta e deve ser ajustada continuamente, por meio de processos bem estruturados e devidamente monitorados.
O monitoramento se dá no acompanhamento periódico para identificar erros, acertos e perceber quais os ajustes que precisam ser feitos para garantir a inteireza dos processos que constituem o programa de integridade, também conhecidos como programas de compliance, expressões sinônimas. Vale ressaltar que o programa de compliance não é garantia de total confiabilidade. Obviamente a confiança é construída ao longo do tempo e a partir da transparência dos processos no ambiente corporativo.
Diante dos casos de corrupção escancarados no Brasil recentemente, fez-se necessário implementar programas de integridade robustos que fossem capazes de traduzir a nova cultura de uma organização que se preocupa com sua reputação. As empresas precisaram se reinventar, sair do lugar comum e demonstrar à sociedade as mudanças incorporadas na sua nova forma de fazer negócios.
O mercado global reforçou essa necessidade, visto que diversas empresas estrangeiras experimentaram os prejuízos trazidos pelos escândalos ocorridos em vários países em que tinham suas operações. Cada vez mais vemos nações ajustarem suas legislações para reconstruir a credibilidade necessária nos ambientes de negócios. Assim, as organizações passaram a ajustar suas políticas conforme as boas práticas de governança corporativa para se recuperarem dos graves danos sofridos em sua imagem.
Todo esse contexto provocou uma profunda transformação no mercado de trabalho. O compliance nas empresas teve seu escopo ampliado e passou a tratar também de outras questões relevantes como diversidade, equidade, responsabilidade social e sustentabilidade. Desse modo, a integridade corporativa vem a ser uma parte da governança que é mais ampla que os ditos programas de integridade e passou a superar o mero conceito de conformidade.
O novo conceito de sustentabilidade encontra-se diretamente ligado ao tripé econômico, social e ambiental, também denominado triple bottom line.
A governança corporativa passou a ser reconhecida em um conceito mais amplo: a sigla ASG (Ambiental, Social e Governança), que deriva da sigla em inglês ESG (Envirolmental, Social and Governance). Trata-se de questões relativas à preservação do meio ambiente, à valorização das pessoas e ambientes de trabalho mais salutares ao trabalhador. Refere-se também à estrutura de governança construída a partir de processos desenvolvidos com transparência, equidade, responsabilização e prestação de contas, com o intuito de assegurar a longevidade das organizações.
Todos esses mecanismos representam ações de respostas das empresas aos seus stakeholders e, principalmente, à sociedade para restaurar sua confiabilidade e gerar maior credibilidade às suas atividades. Contudo, ainda há empresas que se valem desses mecanismos como uma “fachada” para camuflar operações fraudulentas e outros desvios e, assim, continuar com aquela velha mentalidade de dar um “jeitinho” para continuarem no mercado. Sabe-se que esse não é um bom caminho.
Empreender no Brasil requer uma real mudança de mentalidade e, em vez de visar somente o lucro, o empresário deve buscar constantemente o bem comum – o lucro é justo e certamente virá como resultado de seus esforços.
Cabe, portanto, ao governo e à sociedade exigir a integridade das empresas. Isso pode ser feito, por exemplo, contratando serviços e comprando produtos somente de empresas que tenham programas de integridade bem estruturados e que demonstrem continuamente sua inteireza; comprando produtos que não degradem o meio ambiente e não maltratem os animais; e celebrando contratos com empresas reconhecidas como empresas cidadãs, ou seja, que cumprem sua função social.
Os consumidores bem orientados escolhem companhias que são dirigidas por propósitos e valores elevados. Os trabalhadores, por sua vez, têm o importante papel de escolher trabalhar apenas em empresas que prezem por valores semelhantes aos seus. Entende-se que é um tanto desafiador escolher um ambiente de trabalho ético e justo, mas esse é o caminho.
Espera-se que todas as empresas entendam o real significado de exercer integralmente a sua função social e que o Rio de Janeiro seja a melhor cidade e o melhor estado para se trabalhar e empreender. Vamos todos juntos construir esse caminho.
Avante Rio!
Mauro Rocha - Graduado em Ciências Contábeis pela UCAM; Pós-Graduado em Contabilidade para Gestão de Negócios pela UFRJ; Pós-Graduado em Gerenciamento de Projetos de E&P pelo IBP; Especialização em Fusão e Aquisição de Empresas pela INSEAD/ France; MBA Executivo em Direito Empresarial pela FGV. 28 anos de experiência em finanças nas áreas de auditoria, contabilidade, tributária, tesouraria, orçamento, controles e governança corporativa adquiridos em grandes empresas multinacionais e nacionais majoritariamente na indústria de petróleo.
Luana Lourenço - Graduada em Direito pela UCSAL. LL.M em Direito Empresarial com Especialização em Compliance Avançado pela FGV Direito Rio. Cursa o Máster Profesional em Compliance na IMF Business School. Professora da Pós-graduação em Gestão de Conflitos e Mediação Familiar na Universidade Católica do Salvador. Diretora da Ocean Governança Integrada – Direcionando Empresas. Fundadora do Governança no Rio.