CONTRAPONTO
Rio: como chegamos até aqui e o que é necessário ser feito
Demir Lourenço Junior
Capital do Brasil por 198 anos, a cidade do Rio de Janeiro foi alçada à sede da colônia portuguesa em 1763. Foi sede do Império Português em 1808, que incluía Angola e Moçambique, na África; Goa, na Índia; Timor, no Sudeste Asiático; e Macau, na China. A cidade também foi capital do Brasil-Império (1821) e da República (1889). A partir de 1961, apesar da transferência do Poder Central para Brasília, grande parte das repartições públicas federais, e seus servidores, permaneceram no Rio, contribuindo para o desenvolvimento local.
Na década de 70 do século passado, com a descoberta do petróleo na Bacia de Campos, a atividade econômica resultante dos investimentos necessários para sua exploração, bem como os royalties gerados, trouxeram um “boom” de desenvolvimento. Já neste século, a escalada dos preços do petróleo no mercado internacional e as novas descobertas no pré-sal aumentaram exponencialmente as receitas provenientes dos royalties. Infelizmente os gestores à frente do estado e do município não estavam à altura da responsabilidade que acompanhou a fortuna.
A riqueza proveniente do petróleo é volátil, por depender de preços internacionais sobre os quais não se tem qualquer controle, e finita, pois os poços esgotam-se e a matriz energética tem prazo de validade. Ignorando tais fatos, e com objetivos puramente eleitoreiros, aumentou-se a máquina pública desarrazoadamente. Apenas entre 2009 e 2015 a folha de pagamento do Estado do Rio subiu mais de 146%, saltando de R$ 12,846 bilhões para estratosféricos R$ 31,681 bilhões, com crescimento real de 65,63%, se descontada a inflação. Custos fixos sendo suportados por receitas variáveis e incertas: caminho certo para o caos!
Tamanho descompromisso com a governança e sustentabilidade cobrou um preço, pago por nós até hoje. Resultado de um excedente de oferta por conta da extração do óleo de xisto (shale oil) nos EUA, os preços internacionais do petróleo despencaram, acumulando perdas superiores a 60%, apenas entre junho/14 e janeiro/15.
O novo patamar, inferior a US$ 50/barril, reduziu na mesma proporção os royalties recebidos pelos estados e municípios, especialmente o nosso Rio de Janeiro, tornando-os deficitários ou mesmo insolventes. Os salários do funcionalismo passaram a atrasar, até vários meses, e vimos um cenário de calamidade na educação e na saúde. Os novos investimentos na cadeia produtiva do petróleo, dependente do pré-sal – com alto custo de exploração – foram suspensos ou cancelados.
Os problemas do Rio de Janeiro, estado e município, são muitos! Os desdobramentos da Lava-Jato na Petrobras e em grandes empreiteiras locais e nacionais; a falta de governança na gestão de projetos estruturantes de mobilidade urbana e revitalização de áreas degradadas da cidade; a relação promíscua entre governantes e grandes empresários, entre outros aspectos, foram fatos muito relevantes e que nos conduziram à situação atual de quase insolvência, e à estagnação econômica.
Uma das alternativas para o retorno do desenvolvimento econômico e social é a atração de investimentos. O problema é que investidores internacionais só alocam seus recursos em estados solventes, com situação fiscal equilibrada.
O caminho de retorno ao equilíbrio fiscal será longo e árduo. Grandes sacrifícios ainda serão necessários, como o enxugamento da máquina pública, o aumento da produtividade e a busca pela eficiência da gestão.
Uma oportunidade ímpar que se vislumbra no horizonte de curto prazo para melhorar a situação fiscal do Rio e contribuir para sua sustentabilidade a médio e longo prazo é trabalhar para que o Senado insira estados e municípios na Proposta de Emenda Constitucional da Previdência, PEC da Previdência, recentemente aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados.
Conforme os dados levantados junto às secretarias de Fazenda dos estados, reunidos em matéria do Portal G1, apenas nos quatro primeiros meses de 2019 o Estado do Rio acumulou déficit de R$ 1,886 bilhões. Segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, o passivo atual e futuro de estados e municípios é maior do que a dívida desses governos com a União e com os bancos. O estudo da IFI projeta que, se nada for feito, o déficit previdenciário em 2060 será quatro vezes o de 2013, já descontada a inflação. Esse número é tão absurdo que, para ser equilibrado, só adotando a cobrança de uma alíquota de 54% sobre os salários – algo absolutamente inexequível!
O assunto é árido. O poderoso e articulado lobby da elite do funcionalismo público e as eleições municipais em 2020 fizeram com que os estados e os municípios fossem retirados da PEC na Câmara. Para o bem do país, de nossos filhos e netos e do nosso querido Rio de Janeiro, espera-se que o Senado tenha consciência de sua responsabilidade e faça o que dele se espera.
CONTRAPONTO
Luana Lourenço
A presente análise merece ser vista sob dois aspectos: nossa história e o desenvolvimento sustentável do Rio de Janeiro. Analisar somente o momento atual não nos dá a clareza necessária para entender como chegamos até aqui, tampouco sobre o rumo de desenvolvimento que o Rio tomará nos tempos vindouros.
A história do Brasil perpassa pelo Rio de Janeiro, que já foi a capital do país antes de ser transferida para Brasília, como nos mostra a narrativa do gestor Demir Lourenço Júnior. História essa marcada pelo desenvolvimento econômico não sustentável, graças aos gestores que estiveram à frente do estado e do município, e que não fizeram jus às suas funções. Com o boom dos royalties, o Rio parecia prosperar, a economia local ia de vento em popa, e de fato estávamos caminhando bem. Ocorreu que os governantes sobrepujaram o interesse coletivo pelos seus próprios interesses individuais. Passaram a entender aquela riqueza e crescimento econômico como oportunidade de ganhar dinheiro à custa dos fluminenses.
Tudo isso trazido à baila traduz como resultado os escândalos de corrupção que macularam a imagem e a reputação do Rio de forma indelével, além de incorrer na quebra do Estado. Diversos servidores públicos ficaram sem receber seus salários, famílias inteiras se mudaram do Rio e até do país, a ciclovia foi levada pela maré, túneis desabaram, as encostas deslizaram, o tráfico de drogas e a milícia tomaram conta da cidade e, como consequência disso, percebemos o aumento exponencial da violência. Como resolver todos esses problemas? Com seriedade, respeito aos cidadãos, boa gestão e muita, mas muita vontade de tornar o estado e a cidade do Rio nos lugares que queremos viver e criar nossos filhos.
Outro ponto é que muitas pessoas entendem que a reforma da Previdência não é necessária e que todos podem se aposentar como antes. O fato que não deve ser ignorado é que a Previdência também quebrou, ficou insustentável e precisa ser reformulada para garantir a aposentadoria dos cidadãos no fim da vida. Advoga-se pela reforma, especialmente pensada para atender prontamente os casos de extrema necessidade e não como instrumento de defesa de interesse de alguns políticos para que se elejam em 2020, ano eleitoral.
O momento requer profunda análise de especialistas que realmente entendem do assunto, como o pesquisador Marcel Balassiano e outros economistas, para que se chegue ao denominador comum e a reforma venha para garantir a qualidade de vida das pessoas no momento em que sua velhice bater à porta ou essas adoecerem.
Além da reforma, o pagamento dos servidores públicos deve ser realizado de maneira correta, sem atrasos – isso é justiça. Enxugar a máquina pública deve ser prioridade, para o desenvolvimento passar a ser sustentável. Também, deve-se demitir todos aqueles funcionários que não cumprem com sua folha de ponto e não entregam serviços de excelência para o cidadão, atitudes que têm o nome de Corrupção Silenciosa.
Ressalta-se que combater a corrupção silenciosa, que é lenta e gradual e provoca efeitos terríveis no longo prazo, requer o accountability não apenas dos números, mas também a prestação de contas do serviço efetivamente prestado, além de fazer o monitoramento contínuo. Isso assegura o aumento da produtividade no setor público. O funcionário público tem de fato trabalhar e prestar contas com a sociedade ou dar a vez para que outro cidadão ocupe a sua cadeira.
Quanto ao enfrentamento da violência, recomenda-se melhorar os salários e investir na qualidade de vida dos policiais, dessa forma teremos policiais mais comprometidos com o seu dever de zelar e proteger o cidadão de bem. A cultura do cuidado com nossos policiais deve ser reformulada para garantir o bem-estar deles. Com isso, acredita-se que haverá efeito significativo na redução da violência.
A desgovernança deve dar a vez à governança. O Código das Melhores Práticas de Governança do IBGC preza pelos seguintes princípios: transparência, equidade, prestação de contas e responsabilização. Logo, cabe aos governos de estados e municípios atuarem conforme as práticas mais eficazes de governança.
Assim, a relação promíscua que antes existia entre governantes e empresários deve dar lugar à integridade. Significa agir de forma inteira, correta, honesta e transparente. São cuidados que devemos tomar ao conduzir nossos negócios no Rio e no Brasil com ética, integridade e adequada gestão de riscos.
Avante Rio!
Demir Lourenço Junior - é Bacharel em Ciências Náuticas; Pós-graduado em Gestão de Sistemas de Informação pela UFF; Pós-graduado em Gestão Empresarial pela FGV; MBA em Gestão Estratégica de Pessoas pela Fundação Dom Cabral e INSEAD; Advanced Management Program pela ISE/IESE; Conselheiro de Administração formado pelo IBGC; Membro do Conselho Superior da Associação Comercial da Bahia; Diretor-Executivo do TECON Salvador; e Diretor-Presidente da Wilson, Sons Logística.
Luana Lourenço - Graduada em Direito pela UCSAL. LL.M em Direito Empresarial com Especialização em Compliance Avançado pela FGV Direito Rio. Cursa o Máster Profesional em Compliance na IMF Business School. Professora da Pós-graduação em Gestão de Conflitos e Mediação Familiar na Universidade Católica do Salvador. Diretora da Ocean Governança Integrada – Direcionando Empresas. Fundadora do Governança no Rio.